terça-feira, 17 de abril de 2012

A internet e as mudanças nas estruturas cerebrais


A internet e as mudanças nas estruturas cerebrais



Apresença da internet tem alterado o comportamento das pessoas, sobretudo a forma como nos relacionamos por intermédio das redes sociais, como acessamos a informação via sistemas de busca, como disponibilizamos a informação através dos portais, etc. Esses comportamentos, em última análise, são processados por estruturas cerebrais.

Do ponto de vista neurobiológico, a assimilação desses conhecimentos é entendida como a “formação e consolidação das ligações entre células nervosas. É fruto de modificações químicas e estruturais no sistema nervoso de cada um, que exige energia e tempo para se manifestar” (Cosenza e Guerra, 2011, p. 38). O desafio que tem movido as pesquisas nessa área é descobrir quais alterações químicas e estruturas do cérebro estão mudando pelo fato de estarmos usando os recursos existentes na internet, ou seja, quais são as mudanças e que atividades provocam essas mudanças.

Crianças e adolescentes de até 18 anos são considerados privilegiados, com status de “nativos digitais” ou “geração net”, porque estão crescendo com a internet, o que lhes favorece a familiarização tanto com a linguagem digital quanto com as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs). O fato de estarem constantemente cercados por vários dispositivos e serem capazes de simultaneamente ouvir o iPod, assistir à televisão, enviar e receber textos no twitter e navegar na internet tem gerado a opinião popular de que trabalham de maneira diferente e, por conseguinte, o seu cérebro é conectado de maneira diferente.

Estudos mostram que existe certo mito com relação ao comportamento desses indivíduos. Quando observados nessas situações de multitarefa, em 77% do tempo eles estão usando apenas um recurso de cada vez. Esse comportamento é menor do que o observado em adultos (Nielsen, 2009). O que os jovens podem estar fazendo é alternar com mais frequência entre os recursos existentes. Mas o que é diferente? Eles estão constantemente conectados via tecnologia móvel, de preferência usando o celular, que em termos demográficos pode ser considerado um artefato de mais ampla mudança no comportamento de uso das mídias.

Por meio dos dispositivos móveis, os usuários realizam diversas atividades. O local e o momento em que se encontra o corpo em determinado ambiente têm uma influência considerável na maneira como o usuário utiliza e processa a informação. Além disso, os dispositivos possibilitam interagir massivamente com muitas pessoas, via voz ou via mensagem escrita, imagem estática ou em movimento.

Segundo Trifonova e Ronchetti (2003), essas atividades não são diferentes daquelas que as pessoas já realizavam por meio das tecnologias fixas. No entanto, as tecnologias móveis diferem das tecnologias tradicionais, uma vez que permitem a contextualização da informação, ou seja, possibilitam o acesso à informação mais adequada à situação em que se encontra o usuário (no tempo e no espaço) e ao que ele está fazendo. Por exemplo, Sharples, Taylor e Vavoula (2007) propõem uma teoria que considera a aprendizagem para a era da mobilidade como processos de vir a conhecer por meio de conversações entre múltiplos contextos, as quais envolvem pessoas e tecnologias interativas.

Cabe salientar que esses recursos tecnológicos também são considerados linguagens (Santaella, 2007) que passam a influenciar o modo como pensamos e realizamos as coisas. Se as TDICs estão proporcionando mudanças verdadeiramente inovadoras na maneira como a informação está sendo acessada e processada, assim como na maneira como pensamos e realizamos nossas atividades, será que essas mudanças não estão provocando mudanças nas estruturas cerebrais que são responsáveis por tais ações?

Essa questão tem levado diversos pesquisadores a realizar estudos no sentido de entender se as mudanças cognitivas, emocionais e atitudinais decorrentes do uso das TDICs também estão provocando mudanças neurobiológicas no cérebro. Dois estudos recentes merecem ser mencionados. Um afirma que o acesso à informação on-line afeta a maneira como memorizamos a informação. Outro relaciona o tamanho das redes sociais on-line, como o Facebook, ao tamanho de algumas estruturas cerebrais.

Sparrow, Liu e Wegner (2011) realizaram quatro experimentos para investigar se a internet passou a fazer parte de um sistema de memória externo que é criado pela necessidade de ter acesso à informação. Por exemplo, uma das questões que esses pesquisadores investigaram foi a seguinte: no caso de ser perguntado se existe um país cuja bandeira tem uma única cor, os sujeitos da pesquisa pensaram primeiro em bandeiras ou em entrar na internet para encontrar a resposta? Os pesquisadores apresentaram frases declarativas e informaram os sujeitos de que algumas frases poderiam ser eliminadas e outras seriam armazenadas em um banco de dados. A intenção era investigar se o processo interno de codificação é incrementado com o local onde a informação é encontrada ou com a informação em si.

Os experimentos mostraram que, para as frases que seriam eliminadas, os sujeitos demonstraram maior tendência de lembrar a informação em si; para as frases que foram armazenadas externamente, os sujeitos lembraram o lugar onde elas poderiam ser acessadas. Além disso, quando as pessoas entendiam que a informação permanecia disponível (como no caso da internet), elas estavam mais propensas a lembrar o local onde achar a informação do que de lembrar os detalhes sobre a informação.

Esses resultados sugerem que existe um sistema adaptativo de memória que inclui o computador e as ferramentas de busca on-line como sistemas externos de memória que podem ser acessados quando for necessário. Os processos da memória humana estão adaptando-se ao advento dos novos sistemas de comunicação e computação à medida que estamos cada vez mais imersos em sistemas interconectados que lembram menos da informação em si do que do local em que a informação pode ser encontrada.

Os pesquisadores observaram que isso nos dá a vantagem de poder acessar uma vasta quantidade de informação, embora haja a desvantagem de termos de estar conectados o tempo todo. Por outro lado, esse comportamento não é tão diferente do que já fazíamos em outras eras, quando dependíamos de outras pessoas para lembrar certas informações ou de lápis e papel para registrar nossas ideias, tal como hoje dependemos da internet para acessar a informação.

O outro estudo, realizado por Kanai e colaboradores (2011), demonstra que o tamanho da rede social de um indivíduo está intimamente relacionado a estruturas cerebrais focais implicadas na cognição social. Esses pesquisadores basearam-se em uma constatação previamente conhecida: o tamanho e a complexidade de uma rede social no mundo real correlacionam-se especificamente com o volume de uma área do cérebro chamada amígdala. Porém, os estudos realizados não consideravam as redes sociais on-line, como o Facebook. A investigação consistiu em verificar se as funções cognitivas que dão suporte a grandes redes no Facebook correspondem às mesmas estruturas mentais que dão suporte às redes do mundo real.

Inicialmente, os pesquisadores usaram imagens de ressonância magnética para estudar o cérebro de 125 estudantes universitários, todos eles usuários ativos do Facebook. Esses estudantes tinham em média 300 amigos, sendo que os mais conectados tinham cerca de 1.000 amigos. Foram realizados quatro experimentos. O primeiro envolveu os 125 estudantes e mostrou que é possível prever variabilidade em quatro estruturas do cérebro, de acordo com o tamanho da rede no Facebook.

Analisando diferentes áreas do cérebro, descobriu-se uma forte ligação entre o número de amigos no Facebook e a quantidade de massa cinzenta (camada de células do cérebro em que ocorre processamento mental) no sulco temporal superior direito (STSD), no giro temporal médio esquerdo (GTME) e no córtex entorrinal direito (CED); e uma fraca, mas significativa, correlação entre o tamanho da rede no Facebook e a amígdala esquerda e a amígdala direita.

O segundo experimento consistiu em replicar os procedimentos do primeiro em outros 40 estudantes, sendo que o objetivo foi estudar especificamente as quatro áreas do cérebro que haviam sido identificadas no primeiro experimento. O terceiro experimento foi realizado para identificar a relação entre o número de amigos no Facebook e em redes no mundo real. Para isso, os estudantes do primeiro e do segundo experimentos responderam a um questionário que perguntava sobre o número de amigos no Facebook, o caderno de telefones, os convidados para festas de aniversário, etc. Finalmente, o quarto experimento cruzou dados dos três experimentos, procurando entender a especificidade dessas áreas com relação à rede on-line e à rede de amigos do mundo real.

De fato, os resultados do segundo experimento comprovaram os resultados do primeiro. E o terceiro e o quarto experimentos indicaram que, em um subgrupo formado por 65 dos estudantes envolvidos — os quais, além de ter um grande número de amigos no Facebook, tinham um pequeno número de amigos fora da rede virtual —, havia uma correlação significativa com STSD, GTME e CED e que a região da amígdala direita está envolvida com o número de amigos fora da rede virtual. Com isso, os pesquisadores concluíram que, embora o volume de massa cinzenta da amígdala também esteja relacionado a atividades cognitivas que envolvem as redes sociais de amigos, somente o tamanho da rede social no Facebook está associado às três regiões focais STSD, GTME e CED.

Os pesquisadores fazem duas ressalvas. A primeira é que o estudo foi realizado com estudantes universitários, que costumam estar bastante envolvidos com o uso de redes sociais, especificamente com as redes on-line. Contudo, é importante verificar se a mesma relação entre o tamanho da rede no Facebook e essas áreas do cérebro também existe em populações com outras idades ou com outros grupos demográficos. A segunda ressalva é que o fato de o estudo ter identificado essas áreas do cérebro não implica necessariamente que elas se desenvolveram à medida que o número de amigos no Facebook cresceu. É possível que pessoas que tenham essas áreas do cérebro mais desenvolvidas sejam mais propensas a ter mais amigos on-line.

Quais são a implicações desses resultados do ponto de vista educacional? Aparentemente muito poucas, se pensarmos que a educação está mais interessada no desenvolvimento cognitivo, emocional e inclusive atitudinal, e não nas estruturas anatômicas específicas do cérebro que processam essas informações. Porém, as mudanças que as TDIC estão propiciando e os primeiros resultados sobre mudanças neurológicas em estruturas cerebrais relacionadas ao uso das TDICs têm auxiliado no estreitamento das relações entre educação e neurociências. Por exemplo, foram publicados recentemente alguns livros relativos à aplicação das neurociências na educação (Cosenza e Guerra, 2011; Pântano e Zorzi, 2009).

Outro exemplo desse interesse é a criação de um grupo de trabalho pela The Royal Society da Inglaterra, dedicado ao estudo da relação entre neurociências e sociedade. Os resultados do segundo encontro desse grupo, denominado “Educação: o que o cérebro tem a ver com isso?”, foram publicados em fevereiro de 2011, tendo por objetivo demonstrar como as neurociências podem ajudar a transformar a educação, assim como as práticas médicas têm sido transformadas pelos conhecimentos da ciência. Nesse sentido, vale a pena que os pesquisadores brasileiros adotem procedimentos semelhantes aos dos pesquisadores da The Royal Society, de modo a estarem atentos às mudanças provocadas especialmente pelo uso das tecnologias móveis a fim de entender como as estruturas cerebrais estão continuamente se adaptando ao uso dessas tecnologias.

José Armando Valente


As pesquisas sobre mudanças neurológicas relacionadas com o uso das tecnologias digitais têm auxiliado a estreitar as relações entre educação e neurociências

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